quarta-feira, 3 de março de 2010

Pulseirinhas do sexo (ou: como essas duas palavras estão na mesma frase?)

Lembra daquelas pulseirinhas de plástico que todo mundo usava no colégio? Se você viveu os anos 90 e é menina, com certeza lembra delas. A gente comprava um pacote com dez por dois reais (e dois reais na época era uma fortuna!) e passava semanas com elas no braço, sem tirar nem pra dormir, até que arrebentassem ou saíssem de moda repentinamente. Era uma baita brincadeira trocar pulseirinhas com as colegas, ou dar pulseirinhas de presente para os meninos que a gente gostava (ô coisa piegas!)

Pois hoje, em Navegantes, Santa Catarina, foi definitivamente sancionada a lei que proíbe o uso de "shag bands" (ou pulseirinhas do sexo, como foi traduzido) em escolas da cidade. Pra quem ainda não recebeu o e-mail spam explicativo, reza a lenda que uma hora dessas virou moda entre as crianças e adolescentes americanos um jogo de trocar pulseirinhas não exatamente moral. De alguma forma que não entendi muito bem, as crianças trocariam a pulseira por alguma safadeza, que poderia ir desde um selinho até uma relação sexual propriamente dita. A "prenda" é determinada pela cor da pulseira. Cada cor é uma ação diferente.

Vou colar aqui a chamada da notícia, que peguei no site clicrbs.com.br:

Foi sancionada imediatamente pelo prefeito Roberto Carlos de Souza (PSDB) a lei que proíbe as polêmicas pulseirinhas do sexo em Navegantes.
O projeto de lei foi aprovado por unanimidade ontem na Câmara de Vereadores e sancionado hoje de manhã. A partir de hoje, os adereços coloridos estão proibidos em todas as escolas da rede municipal de educação.

- A repercussão do assunto está provocando discussões equivocadas sobre sexualidade dentro das unidades de ensino. As escolas também vão fazer um trabalho com crianças, adolescentes e família sobre a sexualidade de forma correta - afirma o prefeito.


Não é de hoje que se aprende besteira dentro da escola. Afinal a infância e adolescência existem pra isso, pra aprender o que é bom e o que é mau, por bem ou por mal. Não é de hoje também que se proíbe uma coisa por causa de seu contexto - na minha quarta ou quinta série, foram proibidos os tamagochis no meu colégio, porque por causa deles as crianças não prestavam atenção às aulas (os professores despreparados não tinham nada a ver com isso!)
Não quero que me interpretem mal; não estou dizendo que o tal joguinho é legal e bonito, muito pelo contrário. Mas fica difícil não se questionar sobre o que seriam essas "discussões equivocadas sobre sexualidade dentro das escolas".

É claro (pelo menos pra mim, para os vereadores de Navegantes talvez não) que a sexualização das crianças não é culpa, aliás não tem nada a ver, com as pobres pulserinhas made in paraguai. Só que aqui a proibição da discussão sobre o assunto pode ter consequências bem piores do que notas baixas, no caso do meu tamagochi.
Por mais clichê que possa soar, não há nada mais verdadeiro do que admitir que as crianças estão cada vez mais expostas à sexualização precoce, não só pela mídia como muitos cospem por aí, mas por toda a cultura, pelos próprios pais e colégios.
Quem foi/é adolescente sabe como é a conversa sobre sexualidade, na maioria das famílias. As meninas vivem uma constante contradição entre estar o mais linda possível e atrair o mínimo de olhares possível. Você tem que provar o tempo todo que é "feminina" para ter algum valor, mas tem que negar todas as funções naturais das fêmeas. Tem que fingir que não precisa de liberdade, conforto e prazer para ser feliz, apenas ser um bibelozinho da família deve satisfazer, senão a menina é taxada de mal-educada e moleque. Com os meninos é melhor, mas não muito; você pode fazer qualquer coisa que quiser, desde que não seja "coisa de menina"; afinal na nossa cultura machista, nada é mais humilhante do que ser comparado com uma mulher... Conforme vai avançando a puberdade, o menino ainda tem que provar que não é "gay", o que em algumas famílias pode significar negar sua própria sensibilidade e se diminuir absurdamente como ser humano. Daí, parece óbvio, mas não é: não adianta proibir a menina de dançar o créu, mas vesti-la só com roupas cor-de-rosa, salto alto e maquiagem desde os quatro anos ou menos... Os assuntos vão ir mudando, mas a repressão sexual é a mesma, e só pode dar em uma coisa: adolescentes aos quatro anos, machinhos e peruas aos 12, pais e mães aos 15...

Graças a Bach eu tive pais "liberais" (na linguagem externa; pra mim, é o que se pode chamar de "pais inteligentes") que me deram meios de entender meu corpo desde criança, sem repressão. Mas tive conhecidas que aos 11 anos não sabiam o que era menstruação, muito menos gravidez. E aí? Se a mídia não ensina nada, e a família ensina errado, quem pode interferir nesse ciclo funesto? Os pedagogos e professoras, supostamente não estudaram para direcionar de acordo com cada faixa etária a discussão sobre a sexualidade na escola? Ah, mas a discussão da sexualidade nas escolas é equivocada. Vamos rezar para que deus e o papa ajudem nossas crianças, então.

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