Ontem, dia 29 de janeiro, foi comemorado o dia nacional da Visibilidade Trans, e escrevo esse post atendendo ao chamado de blogagem coletiva das Blogueiras Feministas sobre esse tema.
Aproveitei a data para ir assistir o filme Tomboy (França, 2011), sobre um menino que nasceu em corpo de menina. Um filme ensolarado, suave, com atores ótimos, fotografia maravilhosa, que trata da diferença entre sexo e gênero com uma leveza incrível. Eu pensei que iria sair do cinema super consternada, pensativa, pela densidade do tema, mas não; fui ficar consternada e pensativa depois.
Procurando por informações, sinopses, histórico e fotos dos atores/atrizes, encontrei essa sinopse aqui:
Laure (Zoé Héran) é uma garota de dez anos que sofre dificuldades no relacionamento com seus pais. Quando a família se muda para uma nova vizinhança nos subúrbios de Paris, ela subitamente decide se vestir como um garoto e faz amizades com os meninos da região. O que antes era apenas um pretexto para conseguir amigos, acaba se transformando em algo mais sério.
Não há nada no filme que indique que existe dificuldade de relacionamento com os pais; muito pelo contrário, eu vi a família como muito amorosa e unida. A personagem não decide "subitamente" se vestir como menino: pela quantidade de roupas "masculinas" que ela tem, é lógico que Laure/Mikael gostava de se vestir assim há tempos, e que esse gosto era aceito pelos pais. Sobre se vestir de menino ser "apenas um pretexto para conseguir amigos", não sei se fico indignada pelo absurdo/preconceito da afirmação (se vestindo de menina el@ não conseguiria fazer amigos?) ou se penso que a pessoa que escreveu a resenha simplesmente não viu o filme, ou... Se alguém realmente interpreta as coisas dessa forma. É doloroso, mas não é difícil acreditar que deve ter quem tenha saído do cinema com nojinho e acreditando que Laure/Mikael é uma criança problemática, que foi malcriada, que "só quer chamar a atenção", e coisas assim.
Para o senso comum machista, ter nascido um indivíduo do sexo feminino (com útero, ovários, vagina) necessariamente acarreta diferenças no caráter, no comportamento, nas habilidades, em relação a nascer indivíduo do sexo masculino (com pênis e escroto), e a ligação entre o sexo e os esteriótipos de gênero, e a imposição do suposto papel de cada gênero no mundo, são automáticas. Para muitos, os trans só existem nas zonas de prostituição, esse é o único papel possível e aceitável para el@s. E além do preconceito individual, da família e da sociedade civil, ainda há o preconceito institucionalizado, que passa pela autorização que o Estado ainda dá para os trans serem hostilizados, junto com outros grupos minoritários, em nome de uma suposta liberdade de expressão e de culto; à pouca importância dada pela mídia e pela polícia aos crimes de discriminação, assassinatos, e agressões cometidas contra el@s; até ao não cumprimento de leis que garantiriam a dignidade para todos os cidadãos, como construção e acesso a políticas públicas de saúde específicas para suas necessidades.
Voltando do cinema com a minha amiga, ela disse "não sei porque as pessoas se preocupam com essas coisas tão pequenas", referindo-se, é claro, ao preconceito, de como seria mais simples se apenas aceitássemos os outros como indivíduos. Pensei que sentir-se diferente do seu corpo, quando tudo ao seu redor te cobra entrar na caixinha pré-definida para sua genitália, deve ser um sofrimento individual muito grande, até mesmo se sua família te apóia, mesmo se você tem bons amigos. É a sociedade inteira te contrariando. Deve ser fácil concluir que é mesmo você que está errado (se quando você está fora de um padrão "pequeno", como o padrão de beleza, isso já pode gerar um sofrimento enorme... ). Por isso é necessário o dia, a conscientização de que esses problemas existem, e de que impor um esteriótipo a essas pessoas, diminuindo a importância da questão, não é mais satisfatório para nós como sociedade.
Termino o post com um vídeo lindo da última campanha da Somos, que me inspirou para . Boa semana!