quinta-feira, 26 de abril de 2012

das discussões sobre cotas

Nunca tive uma discussão sobre cotas em que a parte "contra" não acabasse denunciando um racismo raivoso em algum ponto da conversa. Da última vez, uma criatura teve a capacidade de dizer que os negros "tem vantagens e ainda querem que aceitemos que eles são evoluídos". Juro. Foi triste. Mas mais triste é se sentir obrigada a continuar a conversa. Explico.
Hoje, o STF declarou constitucionais as cotas raciais - depois de não sei quantos anos de cotas nas universidades - uns dizem que a primeira foi em 2004, mas li no twitter alguém falando em 2002. Quase dez anos. Então, tem muita gente incomodada, repetindo por aí os velhos argumentos contra ações afirmativas.

STF ontem. Imagem de http://migre.me/8QNrH
Nessa história se pode falar de evolução também. Evolução, segundo Darwin, é um processo que depende da adaptação da espécie às condições do meio. Não sou muito boa em biologia, mas é isso, né? Então. Aqui, enquanto algumas pessoas preferirão ficar anos espumando raivosamente pela perda de um privilégio, outr@s têm capacidade de mover o olhar para o presente e se adaptar.
Para alguns, a decisão do STF sentencia que os negros estarão agora oficial e legalmente tirando vaga dos brancos, e quem é racista de coração não vai nem tentar ver a coisa de outra forma. Mas nem todo mundo é racista de coração, felizmente. A maioria só repete o senso-comum. E é senso comum achar normal haver poucos ou pouquíssimos negros em espaços de poder - seja esse poder expressado por postos de trabalho altos, por ideias ou pela educação - e pensar que essa situação é culpa das vítimas (assim como também é senso comum se opor a mudanças no senso-comum, é o instinto de sobrevivência da bactéria). Discriminação pura é tacanhice, está engessada. Mas a repetição do senso comum pode ser questionada.

Haverá cada vez mais negros na universidade - nas salas de aula, e não limpando o chão ou cuidando da portaria - e todos terão que respeitá-los. No futuro, racistas ou não terão que obedecer mais negros, que estarão mais frequentemente em postos altos, e não poderão se revoltar por receber salários menores do que os deles. Terão que ver escolas de províncias, de favelas e de aldeias indígenas melhorando, ganhando professores conhecedores da realidade local e bem formados em universidades de qualidade... O horror, né? É a evolução da cultura, da sociedade. Questionemos nosso racismo velado e nos adaptemos, ou pereceremos.

5 comentários:

Gugu Keller disse...

Concordo em essência com o teu texto. O que vc descreve é, de fato, a nossa triste realidade. Tendo, contudo, a criticar o sistema de cotas na medida em que o vejo como algo flagrantemente paliativo. O certo seria, isso sim, o estado se preocupar em garantir a todos uma educação básica de qualidade, o que proporcionaria indistintamente igualdade de condições em situações competitivas, como o vestibular ou a disputa por um posto no mercado de trabalho.
GK

Mariana K disse...

Não acho que seja paliativo. Veja as cotas nos EUA: formaram toda uma classe média/alta negra, que antes das cotas (sem qualificação) não seria possível. Colocaram negros em espaços que eles não estavam.

Depois das cotas, os negros estarão pra sempre dentro da universidade, não será mais aceitável a não-diversidade. E com mais qualificação, mais negros estarão em postos mais altos de trabalho daqui para a frente. Me parece um caminho sem volta: se se amplia o horizonte, ele não encolhe mais. Restrições racistas não serão mais aceitas.
Claro que as cotas não resolvem o racismo, mas acho que a cultura racista só se muda aos poucos, e as cotas são um passo.

E sobre investir no ensino básico, ok, claro que tem que investir. Mas como será de qualidade a educação de todas as diferentes classes sociais, se @s professor@s são formados em um sistema superior elitista? Que motivação, que conhecimento de causa tem uma menina da bela vista pra dar aula numa favela, ou numa aldeia indígena, se ela vier de um ambiente completamente diferente e estudar licenciatura numa faculdade que só tem brancos e ricos, e cujo sistema de ensino, bem como de acesso, é voltado para essa classe?
Enfim. Essa coisa de melhorar o ensino básico dá muita discussão, porque tem MUITA coisa errada no ensino básico, né. Mas melhorar ensino básico começa por ter professores pra todo mundo, e as cotas colaboram com isso. Enfim...

Fernando Borges disse...

Oi! Gostei do post! Olha, eu entendo como paliativo algo que não resolve o problema mas que ajuda de alguma forma. Pra mim as cotas representam isso. Não será com elas que a situação será resolvida, mas já é um passo nesse rumo.

Abraço

Mariana K disse...

Acho que eu tenho um conceito de "paliativo" mais pejorativo que o seu... Paliativo pra mim lembra algo como dar analgésico para alguém com infecção, vai melhorar a dor mas a infecção continua se espalhando, piorando. Mas concordamos em essência!

Acho que cotas não tem como acabar com o racismo, acho que nem devem ter sido uma tentativa nesse sentido. Mas fazem um serviço e tanto no sentido de que podem mudar a visão de mundo das pessoas. Quer dizer, no dia que as cotas forem extintas, as pessoas não vão simplesmente voltar a achar normal só ter brancos em certos lugares. Daí talvez já estaria aí outro passo para o fim do racismo, que é as pessoas enxergarem, admitirem que essas desproporções existem e não são por acaso...

Abraço!

Fernando Borges disse...

Sim, a essência é a mesma rs

O anlgésico não cura a pessoa, mas resolve um pedacinho do problema. Mas só ele não adianta, é necessário támbém o antibiótico. Não sei se é uma boa analogia e o termo paliativo pode mesmo ser usado de forma pejorativa nesse caso, mas acredito que as cotas funcionam de forma semelhante. Não resolvem, mas funcionam como mais um mecanismo de integração.

Abraço! :)